sexta-feira, 5 de abril de 2013

Análise da Canção ""Aqui e Agora" (Gilberto Gil)


Aqui e Agora (Gilberto Gil)

O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora

Aqui, onde indefinido (lugar não especificado, qualquer lugar)
Agora, que é quase quando (refere-se ao presente/passado/futuro. Tempo indefinido)
Quando ser leve ou pesado (Sua cor, religião, raça, tanto faz)
Deixa de fazer sentido (não importa, aproveite a vida, viva o momento)

Aqui, de onde o olho mira (o olho está atento ao alvo, está focado)
Agora, que o ouvido escuta (antes não ouvia)
O tempo que a voz não fala  (silêncio/passado)
Mas que o coração tributa (rende homenagem, saúda, saudade)

O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora

Aqui, onde a cor é clara (paz/calma/pureza)
Agora, que é tudo escuro (mistério/fantasia/morte/luto)
Viver em Guadalajara (
"Pérola do Ocidente", clima e atmosfera agradáveis)
Dentro de um figo maduro (viver o amor/fazer amor/o´rgão sexual feminino)

Aqui, longe, em Nova Deli (Oriente- zona sismíca, suscetível a terremotos)
Agora, sete, oito ou nove (passagem do tempo)
Sentir é questão de pele
Amor é tudo que move

O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora

Aqui perto passa um rio
Ago
ra eu vi um lagarto (presente/passado, lagarto = estado contemplativo)
Morrer deve ser tão frio (separação-frio/união –calor)
Quanto na hora do parto (nascer/partir/desligar-se)

Aqui, fora de perigo
Agora, dentro de instantes (refere-se ao futuro próximo)
Depois de tudo que eu digo (desvio da norma para reafirmar o presente)
Muito embora muito antes


O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora

Análise da Canção

A canção refere-se à contemplação do(s) melhor(es) momento(s) “Aqui e Agora”, em que a intenção do autor é eternizar e valorizar este instante através de sensações e pensamentos, buscando um equilíbrio entre o espaço e o tempo. Para reafirmar esta contemplação e consciência de viver o momento, aproveitar a vida, a canção começa com o refrão e terminar também com o refrão criando um movimento cíclico.
Quando afirma que "O melhor lugar do mundo é aqui/E agora", ha´uma repetição, a fim de enfatizar e deixar  isto memorizado. Este espaço e tempo pode ser qualquer um, ele é indefinido. Esta indefinição de tempo e espaço está presente em todo texto, por exemplo em "onde indefinido" há uma redundância, pois "onde"  é um pronome indefinido e vem acompanhado da palavra indefinido. Outro exemplo é " Agora, que é quase quando", temos uma indefinição do tempo, pois o "agora" não conseguimos determinar de forma precisa. Quando nos referimos ao que falamos neste exato momento, sempre vamos colocar o verbo no passado para nos referir à fala, ou seja, é "O tempo que a voz não fala".
Na citação "Quando ser leve ou pesado/Deixa de fazer sentido", há uma indefinição do sujeito, pois não importa sua cor, religião, raça. O importante é que este sujeito aproveite a vida, viva o momento.
A canção é feita de memórias/lembranças. Neste verso "Aqui, de onde o olho mira/Agora, que o ouvido escuta", o sujeito está em um plano que ele pode não apenas ver, mas mirar o foco, estar atento e também ouvir o que antes não ouvia. Ele está realmente atento a este momento, em silêncio, pois este é "O tempo que a voz não fala/Mas que o coração tributa ". Portanto, refere-se ao passado, mas se torna presente em suas lembranças, na saudade (tributa = rende homenagem, saúda, saudade).
Nesta lembrança "Aqui, onde a cor é clara", é um momento de paz/calma/pureza, mas que envolve mistério/fantasia, pode ser um momento durante à noite, mas que há luz para que eles  (amantes) possam se ver/olhar, contemplar este momento sublime do amor/prazer/sexo. E pode-se confirmar este momento nos versos seguintes: "Viver em Guadalajara" (esta é considerada a "Pérola do Ocidente" devido clima e atmosfera agradáveis) e "Dentro de um figo maduro (viver o amor/fazer amor/órgão sexual feminino).
No verso "Aqui, longe, em Nova Deli", já se encontra em outro momento, Nova Deli é uma região do Oriente, uma zona símica, ou seja, trata-se de uma área suscetível a terremotos, embora não esteja exatamente neste momento turbulento. Em "Agora, sete, oito ou nove " temos a passagem e a indefinição do tempo, porque a definição não é o importante e sim o que se vive. Portanto, o importante é ter esta sensibilidade e perceber a dinâmica do viver, do amor ("Sentir é questão de pele/Amor é tudo que move").
Neste momento "Aqui perto passa um rio", este verso dá sentido de movimento pelo verbo "passa", pois poderia ser tem, e este rio que passa não é o mesmo, ele está em movimento, em mudança constante. E se reafirma esta mudança na figura do lagarto, que muda de pele, de cor, tanto para se defender quanto para atacar, tudo depende do momento. O lagarto também fica parado no sol em estado contemplativo e nós contemplamos também o momento (passado/presente/futuro). Em "Agora eu vi um lagarto" notamos o equilíbrio entre presente e passado e consequentemente um desvio da norma, pois se nos referimos ao "agora", a frase ficaria da seguinte maneira"Agora eu vejo um lagarto", com o verbo no presente, e não "vi" que o passado do verbo ver.
Em "Morrer deve ser tão frio", este frio se deve à separação  dos corpos/da pessoa amada/daqueles que amamos, pois para mantermos aquecidos, quentes devemos estar juntos/unidos, com a união temos o calor. No verso "Quanto na hora do parto" refere-se também a este frio durante a separação, embora esteja fazendo menção ao nascer que é oposto ao morrer, eles se compartilham este frio da separação. E também encontramos uma polissemia para a palavra "parto" em "Quanto na hora do parto", pois pode se referir a hora da despedida. Temos um ditado popular que diz "A dor do parto é triste, mas eu tenho que partir", ou seja, no sentido de se despedir, deixar alguém.  
Na lembrança do "Aqui, fora de perigo", percebemos a contemplação deste momento sem maiores consequências para si, ele está em segurança, ou seja, ele pode "caminhar" pelas lembranças sem nenhum risco, sem cometer erros, sem preocupações. Em "Agoradentro de instantes/Muito embora muito antes " refere-se ao futuro próximo. "Depois de tudo que eu digo"desvio da norma para reafirmar o presente, o momento, e manter este equilíbrio entre o espaço e o tempo, a condensação destes. E para finalizar a canção ele retoma o refrão fazendo, como já foi citado, este movimento cíclico e a transitoriedade da vida.


5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Como vai Adriana, surfando na web me deparei com sua análise. Gostei de seu post, do seu trabalho e de sua escolha. Parabéns pela reflexão, verso a verso, palavra a palavra, da canção. Talvez você goste de saber que sua análise acompanha a visão geral que se tem da "Trilogia Re", comentada pelo próprio Gil, onde nos álbuns Refazenda (1975), Refavela (1977) (que contém a música Aqui e Agora) e Realce (1979), Gilberto Gil se inspira no pensamento dialético como fonte inspiradora e fonte de visão do mundo. O intuito, no entanto, não é o de afirmar a dialética, mas sim fazer uso dela, e, enquanto artista, quem sabe superá-la.

    Não sou um especialista, mas um apaixonado por esta música, e não consigo deixar de pensar nela desde que a ouvi pela primeira vez.

    Quero te deixar uma colaboração.

    Interpreto que os versos "Morrer deve ser tão frio / Quanto na hora do parto" não funcionam separadamente e não podem ser interpretados e tratados separadamente. É o que a própria expressão dialética exige, os conceitos de Morrer / Nascer (hora do parto) são opostos e complementares, pois não fazem sentido um sem o outro. E mais. Interpreto que Gil não quer evidenciar a oposição dos dois conceitos, e sim mostrar que é necessário superar a oposiçao, mostrar que as duas "horas" são uma só. Então a hora do Morrer e a hora do Parto te abrirão uma mesma janela de lugar e tempo, o "Aqui e Agora" ao qual a música se refere, inundado de desconhecido, de desconcertante e de amedrontador, o "tão frio", que a vida pode conter. O "Aqui e Agora" pode nos abrir a cada instante esta janela, e cada instante pode ter a força da hora do Morrer/hora do Parto se nos permitirmos um novo entendimento, uma nova expressão, um novo recomeço, uma nova chance de viver a vida com toda a intensidade de prazer e dor que ela contém.

    No verso "Dentro de um figo maduro" você identifica no verso o sentido de "viver o amor/fazer amor/órgão sexual feminino". Eu adorei e te agradeço, pois sempre interpretei o "dentro de um figo maduro" como viver a vida em sua plena delícia, se referindo a cor, a forma, a textura da carne do fruto, ao cheiro e ao paladar que um figo maduro possui. Claro que esta interpretação também alcança um sentido sexual. Eu, no entanto, nunca me dei conta de associar a forma do figo à forma do útero da mulher. Quando você citou "amor/fazer amor/órgão sexual feminino" o "figo maduro" se torna uma referência literal a mulher e as imagens da mulher como mãe (a que cria vida em seu útero), musa (a que te abre as portas a criação), mulher (feminina e fonte de prazer). Sinceramente, eu adorei (Rs, Rs, Rs).

    Talvez você goste de ler algumas páginas na internet sobre a "Trilogia Re". Dê uma olhada em:

    Gilberto Gil: Trilogia RE
    http://unseunhaseoutras.blogspot.com.br/2011/09/blog-post.html

    Re sol vida, por Waly Salomão - o texto aborda a dialética na obra do Gil
    http://www.gilbertogil.com.br/sec_texto.php?id=91&page=4&id_type=2

    Gil e a trilogia dialética dos Re
    http://tuliovillaca.wordpress.com/2011/09/04/gil-e-a-trilogia-dialetica-dos-re-parte-1/
    http://tuliovillaca.wordpress.com/2011/09/09/gil-e-a-trilogia-dialetica-dos-re-parte-2/


    Continue alimentando seu blog. Um abraço.

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  3. Adoro a obra de Gilberto Gil. Fiquei encanto com as duas análises.

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  4. Muitíssimo legal mesmo.Alias Gilberto Gil é mais que merecedor de uma cadeira na ACAD.BRAS.DE LETRAS, e eu desde já sou mais um "GILBERTO AMO"

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  5. Uma correção no meu comentário anterior: no final,quiz dizer: "SOU MAIS UM GILBERTISTA"

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